Chá de brasa
- Aline S. Capella
- 3 de abr. de 2020
- 3 min de leitura
Eu tive uma avó rosa... seu nome era Isolina.
Faz tempo, mas ainda hoje, quando fecho os olhos vejo seu sorriso tímido, assim, meio de lado, sempre acompanhado dos óculos com aros de tartaruga. Lentes grossas, visão fraca, mas enxergava longe.
É estranho como tudo o que eu leio hoje nos livros de psicologia a vó Isolina já havia dito antes. Fico pensando como podia caber tanta sabedoria naquela alma tão simples.
Foi dela a casa da minha infância. Eu circulava entre o fogão à lenha e o quintal. Do resto da casa não lembro direito, mas lembro da minha vó encostada na porta da cozinha, de braços cruzados e o sorriso meio de lado, olhando para nós o quintal. Éramos seis (como naquela história famosa): eu, meu irmão, um primo, uma prima e duas vizinhas. Crianças saudáveis e felizes, que sobreviviam – pasme! – a uma infância inteira sem computador, shopping ou celular.
Do quintal, era meu um dos pés de jabuticaba. Tinha três. E também goiaba, manga, ameixa, limão, jambo... Ah! O perfume da flor do jambo! Se você quiser saber qual o cheiro do quintal da vó Isolina, é só cheirar uma flor de jambo. Já sentiu? Na minha lembrança, aquele era o cheiro da minha infância: um perfume suave e doce.
Suave e doce também era o olhar da minha avó quando nos fitava. Sempre protegendo meu irmão... “Deixa o menino, Maria, não tá vendo que tá adoentado?”, ou “Maria, chama as crianças para o chá!”. E lá ia minha mãe, sempre seguindo os passos de sua mãe.
Não me lembro de café na casa da vó Isolina. Lá tinha chá. Chá de brasa. Você já provou? Não tem nada igual... Ela queimava o açúcar junto com a brasa do fogão à lenha, na caneca, depois colocava o mate. Nossa! O cheiro chegava até o alto do meu pé de jabuticaba...
Cresci assim, entre primos queridos, amigos, travessuras, pai e mãe que se beijavam na nossa frente (selinho, claro!), avós que cuidavam de nós, sempre com meu irmão ao meu lado. Andei descalça, caí de cavalo, tomei banho de rio, comi fruta no pé, me machuquei muito, chorei, levantei, caí de novo. Aprendi a respeitar os amigos, a amar minha família, a agradecer a Deus por cada dia vivido.
Mudei para São Paulo, cresci, me revesti com um ar cosmopolita, mas em essência tenho os pés descalços e o vento nos cabelos (cacheados, sempre!).
Minha avó Isolina era rosa. Flor, à primeira vista, delicada e suave, mas que, ao primeiro toque, mostra a força de seus espinhos. Mulher decidida, forte, que criou seus filhos sozinha, lavando a roupa e a alma, e sempre mostrando que as coisas têm valor, não preço. Viveu menos do que devia, menos do que precisávamos. Sofria calada a dor de uma doença que a levou aos poucos. E como sofreu. Mas nunca vi uma lágrima cair de seus olhos, uma palavra amaga escapar de sua boca. Só aquele sorriso, meio de lado...
Lembro o jeito que ela apertou minha mão na despedida, do seu olhar, já então sem os aros de tartaruga e o sorriso que os acompanhava, mas com um brilho tão intenso que iluminava aquele quarto simples e escapava pela janela. Dizia: “Vai, filha, seja valente, corra atrás de seus sonhos, ame, erre, peça perdão, comece de novo, cuide dos seus, tenha fé em Deus, seja feliz!”
Estou tentando, vó, mas como é difícil...
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